A relação do humorista de A Praça é Nossa com o Palmas Futebol e Regatas
O célebre comediante e ator já falecido Arnaud Rodrigues fez parte da direção do Tricolor Palmense no final dos anos 1990.
O futebol brasileiro presenciou mais uma tragédia envolvendo um acidente aéreo. No último domingo (24), quatro atletas (Lucas Praxedes, Guilherme Noé, Ranule e Marcus Molinari) e o presidente do Palmas Futebol e Regatas, Lucas Meira, além do piloto morreram após o avião decolar e cair no final da pista da Associação Tocantinense de Aviação. Os passageiros embarcavam com destino a Goiânia, para a partida contra o Vila Nova, válida pelas oitavas de final da Copa Verde.
A perda do clube tocantinense que sensibilizou o público no final de semana passado já é considerada o capítulo mais triste da história da Arara-Azul em seus quase 24 anos de existência.
Fundada após o empréstimo da documentação da Sociedade Esportiva Canela, equipe amadora do distrito de Canela, então regularizada junto a Federação Tocantinense de Futebol, o Palmas foi a primeira equipe de futebol profissional a surgir na capital do Tocantins.
Desde sua primeira partida oficial, realizada em 30 de março de 1997, a derrota para o Interporto por 2 a 1 pelo campeonato estadual, o clube passou por oscilações até conseguir engrenar o futebol que o levaria a ganhar seu primeiro título, o Campeonato Tocantinense de 2000.
Em uma campanha invicta de cinco vitórias em cinco partidas, o time desbancou na fase seguinte o Gurupi antes de protagonizar a decisão do torneio, em Porto Nacional, contra o mesmo Interporto. Dois jogos e um extra foram o suficiente para a jovem agremiação conquistar o estado, e uma vaga para a Série C do Campeonato Brasileiro.
O que poucos sabem além das ascensões e quedas do Palmas no cenário nacional do futebol, com a conquista de mais seis títulos estaduais e das vagas às séries C e D, Copa do Brasil e Copa Verde (estreando em 2020), e os três rebaixamentos para a segunda divisão tocantinense que fizeram o clube dar a volta por cima, é sua curiosa relação com o mundo da arte e da música, e porque não do humor de Arnaud Rodrigues.
Primeiro passo: a música
De origem pernambucana, Antônio nasceu em Serra Talhada, conhecida como a “capital do Xaxado”, a 415 quilômetros de Recife, começou a trilhar a carreira musical entre 1969 e 1970 com o lançamento de quatro compactos e dois álbuns pela gravadora Discos Copacabana.
Sempre antenado e inspirado por diversas correntes, principalmente a da vanguarda tropicalista da época, sem abrir mão de influências regionais como o baião, o coco, a ciranda, o xote e o frevo, buscou aprimorar seu som incorporando elementos locais e estrangeiros como o rock, o funk e a soul music – um dos gêneros que estava em alta no país.
O brilhante músico também era um talentoso letrista, e assumindo um papel de matuto do sertão, Arnaud fez com que suas composições funcionassem como crônicas de um Brasil mergulhado no regime ditatorial e no artifício do AI-5. Sua arte psicodélica ainda encontraria a primeira incursão fonográfica em 1969, quando lançou o primeiro de quatro compactos com arranjos de Ivã Paulo da Silva, o Maestro Carioca, contendo as faixas Tudo de Bom Pra Você e Lema do Bom Brasileiro, seguido por dois álbuns de muito sucesso: Sound & Pyla e a trilha sonora da novela Tilim, da RecordTV, em 1970.
Segundo passo: Chico Anysio
Após sua consolidação como um dos precursores no Brasil de um subgênero devidamente consagrado no mercado norte-americano da indústria fonográfica, o das trilhas sonoras derivadas do cinema e da TV, Arnaud ganharia ainda mais força artística ao fazer dupla com Chico Anysio, que se derivou depois de sua participação no programa Chico City, em 1973, na Rede Globo.
Ao lado dele e do instrumentista Renato Piau, formou trio musical e humorístico Baiano & os Novos Caetanos. Enquanto interpretava o cantor Paulinho Cabeça de Profeta, o cearense fazia o papel de Baiano, em uma clara sátira ao tropicalismo conjunto Novos Baianos e o cantor Caetano Veloso.

A iniciativa que cativou adeptos do universo do samba-rock e da música rural rendeu quatro discos de estúdio: Baiano & Os novos caetanos I (1974) – no qual a faixa Vô Bate Pá Tu fez muito sucesso – e II (1975), A volta (1982) e Sudameris (1985), que inclusive ajudou a elevar a carreira de músico de Arnaud, que acabaria lançando mais alguns álbuns solo.
E antes do início da década de 1980, o artista gravou a faixa A Carta de Pero Vaz de Caminha, integrada no disco Redescobrimento, considerado o primeiro reggae roots gravado no Brasil, o que fez dele um dos pioneiros do rap brasileiro. A sua faixa, Melô do Tagarela, lançada em 1979 e cantada por Luiz Carlos Miéle com o grupo americano Sugarhill Gang, foi a primeira versão de um rap gravado em nossas terras.
Terceiro passo: TV, cinema e A Praça É Nossa
A parceria de mais de uma década entre Paulinho Cabeça de Profeta e Baiano renderia a Arnaud Rodrigues o convite para fazer outros papeis no meio televisivo, como o Cego Jeremias nas novelas Roque Santeiro (1985) e Expresso Brasil (1987), o imigrante nordestino Soró em Pão Pão, Beijo Beijo (1983), e Mr. Soul em Partido Alto (1984), todas da emissora global.
No cinema, foi co-roteirista e estrelou ao lado de Anysio a comédia pornochanchada O Doce Esporte do Sexo (1971), Uma Negra Chamada Tereza (1973), e em 1984 dois filmes da franquia Os Trapalhões: Os Trapalhões e o Mágico de Oróz, no qual reprisou o personagem Soró, e A Filha dos Trapalhões, dando vida a Zé Paraíba, que na história era o primo de Didi, figura eternizada por Renato Aragão.

No ano de 1991, surgiu o convite de Carlos Alberto de Nóbrega para Arnaud integrar o elenco fixo de uma das atrações humorísticas de maior sucesso da TV brasileira, A Praça É Nossa, onde interpretou personagens memoráveis como o Povo Brasileiro, Coronel Totonho, Shop Centis, Mundinho o Mudinho, e Xitãoró, este último fazendo dupla com Xorãozinho incorporado por Marcelo de Nóbrega.
O curioso desse que talvez tenha sido um dos últimos papeis de destaque do multifacetado artista é que Xitãoró costumava entrar em cena ao lado de Xorãozinho vestindo uma camisa do Palmas Futebol e Regatas.
Um pernambucano à moda tocantinense
No ano de 1999, após realizar dois shows musicais na cidade de Palmas, Arnaud gostou tanto do estilo de vida tranquilo dos habitantes que decidiu trazer sua família e se radicalizar na capital tocantinense, e em seguida, assumir a função de dirigente do Palmas.
Em 2003, assume ao lado de José Silva Pinto a presidência do clube, que vivia uma de suas melhores fases ganhando títulos estaduais e fazendo boas campanhas nos campeonatos nacionais, e resolve dar um tempo na “Praça” para se dedicar ao futebol, e também a seus shows solo.
Todavia, em 2010, planejava seu retorno ao elenco do humorístico, além da produção de um programa de variedades, entrevistas e humor em um canal de televisão público de Tocantins, e projetos de moradias populares na cidade que adotou como seu lar, segundo depoimento de seu filho, Arnaud Rodrigues Júnior, para o portal R7, em um momento delicado que sua família estava vivendo após sua partida.
Em fevereiro do mesmo ano, o cantor e humorista morreu em um naufrágio, no lago da Usina de Lajeado, a 26 quilômetros de Palmas, após a embarcação virar devido a uma forte chuva com ventania, que é característica da região nessa época do ano. Nove tripulantes, entre eles sua esposa e dois de seus netos, sobreviveram.
Até hoje a vida e obra de Arnaud Rodrigues é reconhecida por muitos que apreciam seu extenso legado deixado para a música popular brasileira, e assim como parte da equipe tocantinense que se acidentou nesse último 24 de janeiro, deixam eternas saudades a amigos e familiares.
Por Leandro Massoni
Fontes:
ARNAUD Rodrigues. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Arnaud_Rodrigues. Acesso em: 25 jan. 2021.
‘MURITURI’, a sagração psicodélica do talento multifacetado de Arnaud Rodrigues. 2018. Disponível em: https://pauta.showlivre.com/quintessencia/murituri-a-sagracao-psicodelica-do-talento-multifacetado-de-arnaud-rodrigues/. Acesso em: 25 jan. 2021.
SULINA, Vanessa. Arnaud Rodrigues teria programa de variedades no Tocantins. 2010. Disponível em: https://entretenimento.r7.com/famosos-e-tv/noticias/arnaud-rodrigues-teria-programa-de-variedades-no-tocantins-20100217.html. Acesso em: 25 jan. 2021.
ACIDENTE com avião mata quatro jogadores e presidente do Palmas. 2021. Time se preparava para enfrentar o Vila Nova em Goiânia pela Copa Verde. Disponível em: https://globoesporte.globo.com/to/futebol/times/palmas/noticia/acidente-com-aviao-mata-jogadores-e-presidente-do-palmas.ghtml. Acesso em: 25 jan. 2021.
MIQUELUTTI, Guilherme. 10 anos da morte de Arnaud Rodrigues. 2020. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/radio/1/curta-musical/10-anos-da-morte-de-arnaud-rodrigues. Acesso em: 25 jan. 2021.