Quando a conquista é manchada pelo pedido de silêncio dos outros
Medalhista de prata na categoria boxe, Jucielen Romeu estava com a seguinte pauta caso houvesse oportunidade para falar sobre: o racismo e o empoderamento feminino. Contudo, a atleta foi “aconselhada” pelo treinador chefe da seleção brasileira a não falar sobre o assunto durante reportagem para o portal Uol.
Os Jogos Pan-Americanos de Lima, no Peru, estão sendo proveitosos para a delegação brasileira. Atualmente ocupando a terceira posição no quadro de medalhas, o Brasil tem conquistado o pódio em diversas categorias, mostrando sua força e a evolução de nossos atletas. Todavia, o fato de ficar entre os três primeiros passou a ser motivo de votos de silêncio, ainda mais quando existe um histórico que está perdendo sua força devido ao apelo populacional, mas teima em querer mostrar a força de sua autoridade.
Medalhista de prata na categoria boxe, Jucielen Romeu estava com a seguinte pauta caso houvesse oportunidade para falar sobre: o racismo e o empoderamento feminino. Contudo, a atleta foi “aconselhada” pelo treinador chefe da seleção brasileira, Mateus Alves, a não falar sobre o assunto durante reportagem para o portal Uol, que desejava algumas palavras da medalhista acerca do que sua conquista representava para a ala feminina e negra do país.
Embora tenha assentido com a cabeça ao pedido do treinador, a vontade de Jucielen continuou pairando no ar, uma vez que era um tema pertinente e merecia destaque pela imprensa esportiva. A possibilidade de falar que todos podem ultrapassar os limites das mazelas sociais, ser atletas de sucesso e vencer preconceitos, dentro de uma reportagem totalmente à parte dos acontecimentos dos jogos Pan-Americanos, foi cessada. E o depoimento de Mateus Alves reforçou ainda mais o posicionamento da comissão brasileira de boxe.
Na zona mista do Coliseo Miguel Grau, em Callao, cidade vizinha de Lima, o treinador foi questionado pela Uol sobre o porquê de sua atleta não poder falar aquilo que pensava. Logo, Mateus afirmou que ela estava proibida, pois “a seleção não é lugar para falar dessas coisas”, muito menos de política.
Entretanto, a ocasião em que Jucielen estava inserida, em uma reportagem, ao meu ver, não pode ser caracterizada como um ambiente da delegação brasileira olímpica, muito menos de política. E mesmo se a intenção dela fosse a de criticar a postura de seus treinadores e superiores ou informar as condições as quais estava vivenciando, ela estaria em seu direito, mesmo porque a liberdade de expressão deve ser válida para todos.
Vale ressaltar que na Constituição de 1988, o direito à liberdade de expressão – que foi reintegrado após anos esquecida no limbo pelos governos ditatoriais que assolaram (e assombraram) o país – informa no parágrafo 2.º do artigo 220 que “é vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”.
Além disso, o ato de expor suas ideias e opiniões é garantido pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, que contempla o direito à liberdade de expressão, considerando que a mesma seja uma peça fundamental da democracia.
Desde os 12 anos lutando boxe na academia Macedo & Macedos Boxe, em Rio Claro, interior paulista, instituição que compreende a arte como um direito social, bem como espaço para o cultivo de práticas antirracistas e de combate à discriminação, Jucielen sabe como muitos que estão na mesma situação a luta diária da mulher, da negra, e a busca de ser reconhecida pelos seus méritos e esforços no esporte, além de seu direito de opinião como ser humano.
Embora as palavras da atleta sejam digeridas com consciência e respeito por alguns, haverá sempre grupos que, não contentes por apenas discordarem, usarão o acontecimento como bandeira para ir contra uma corrente que também deseja beneficiá-los, o que é incompreensivo em vista do contexto social constituído ao longo dos anos, que preza o valor da igualdade.
A leitura desse e dos demais acontecimentos relacionados (como o do torcedor corintiano retirado do estádio por fazer críticas ao atual governo) mostra um panorama trágico, no qual as democracias estão morrendo. Na mesma proporção em que atos contraditórios vão prevalecendo e esvaindo nossa liberdade de expressão, tempos sombrios começam a tomar conta dos espaços fornecidos para a discussão do jornalismo e do esporte além de sua prática. Lamentável seja este sinal de regressão à vista, com dia e hora incerta para encerrar.
Por Leandro Massoni